A vida de um Soldado na 1.ª Guerra Mundial «O homem das trincheiras» (Parte II)

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Erica Silva Coura, nº 4 9º B

 

Ainda me lembro de como tudo começou, estávamos eu e a minha mulher a almoçar na casa do meu melhor amigo Ryan, quando recebemos uma carta a solicitar que eu e Ryan nos juntássemos às fileiras do primeiro esquadrão de artilharia que estava a combater na frente ocidental. Depois do almoço, fui para casa arrumar as minhas coisas e despedir-me da minha mulher, estava triste, pois aquela poderia ser a última vez que os via, sim, “os via”, pois a minha mulher gerava dentro dela o meu futuro filho. Ryan e eu, dois soldados ingleses pertencentes à Tríplice Entente (o grupo dos Aliados do qual faziam parte também a França e a Rússia), partimos para a zona da Flandres uma semana depois de recebermos aquela carta para combatermos contra os nossos inimigos, os alemães, que pertenciam à Tríplice Aliança, o grupo das Potências Centrais do qual faziam parte o Império Austro-Húngaro e a Itália (no início da guerra a Itália manteve-se neutra e, mais tarde, veio se juntar a nós).

A vida aqui nas trincheiras é um autêntico inferno. As trincheiras são valas escavadas no chão, com cerca de dois metros de profundidade, isto para nos proteger do fogo inimigo, e vários quilómetros de extensão, protegidas por arame farpado. À frente e atrás temos largas fileiras de sacos de areia, com quase um metro de altura, para aumentar a proteção. Há ainda um degrau de tiro, este é usado por sentinelas de vigia e na hora de atirar contra o inimigo. Quando chovia, as longas e tortuosas galerias ficavam transformadas em verdadeiros rios de lama, nas quais os soldados rastejavam e se atolavam com os seus uniformes encharcados. Por vezes a lama era tanta que atingia o peito dos soldados. Os mortos que se acumulavam nas proximidades das trincheiras eram um grande chamariz para os ratos que se alimentavam da carne dos meus companheiros que morreram na batalha.

Entre as doenças contraídas nas trincheiras destacam-se a “febre de trincheira”, reconhecida por fortes dores no corpo e febre alta e o “pé de trincheira”, uma espécie de micose que poderia resultar em gangrena e amputação. Conheci soldados que chegaram a perder os dedos e parte da carne dos pés, outros ficavam com os pés descolados por completo dos tornozelos e permaneciam amputados dentro das botas. A falta de condições de higiene provocava doenças na pele e a multiplicação de parasitas, tínhamos de tirar a roupa e queimá-la porque só assim nos víamos livres dos piolhos que quase nos devoravam.

No dia-a-dia faltava-nos constantemente água e comida (a pouca comida que nos davam era toda à base de enlatados). As casas de banho eram latrinas, buracos no chão. Quando estavam quase preenchidas, eram cobertas com terra e escavavam-se novos buracos. Nas trincheiras passei os piores dias de toda a minha vida, mas eu continuava a lutar e a fazer de tudo para sobreviver porque o meu filho estava para nascer e eu queria muito poder vê-lo. Acho que se não fosse pela minha família eu já teria feito o que o Ryan fez. Ainda me custa pensar nisto… o Ryan estava tão, mas tão desesperado que saiu a correr da trincheira para que os alemães o matassem. Foi sem sombra de dúvida o pior dia da minha vida.

Quando os soldados morriam nas trincheiras, na maior parte das vezes não era possível retirá-los, os corpos ficavam então estendidos naquele chão lamacento a decomporem-se, foi o que aconteceu com o corpo do Ryan. O cheiro dos corpos mortos tornava-se insuportável para nós e, para piorar, apareciam os ratos que além de transmitirem doenças também nos roubavam comida. Foi horrível ver aqueles bichos peludos nojentos a comerem o corpo do meu melhor amigo. Com o terror da guerra, muitos soldados até se feriam a si próprios para serem mandados de volta para casa.

As ofensivas a partir das trincheiras obedeciam sempre à mesma estratégia: vários dias de bombardeamentos sobre o campo inimigo, seguidos de assalto pela infantaria. O resultado era quase sempre o mesmo: o inimigo refugiava-se nas galerias mais profundas da trincheira e, quando a infantaria avançava, vinha à superfície e varria-a com metralhadoras. A “terra de ninguém” (o território entre as trincheiras, cheio de enormes crateras provocadas pelo rebentamento das bombas) ficava cheia de cadáveres e o avanço era mínimo. Era uma guerra de espera, mas muito perigosa. Especialistas em mineração tentavam fazer túneis até à linha inimiga para explodir as trincheiras dos alemães por baixo.

Os alemães chegaram a invadir a nossa trincheira com gases asfixiantes, os soldados que não colocaram a tempo a sua máscara e tiveram a pouca sorte de inalar esses gases, morreram intoxicados ou então ficaram com os pulmões seriamente afetados para o resto da vida. Foram dois longos e dolorosos anos de guerra naquela abominável trincheira, mas apesar de todo este sofrimento, de todas as perdas humanas e de toda a destruição causada, conseguimos sair desta grande guerra vitoriosos. De momento, estou reunido com os meus companheiros de guerra no acampamento a arrumar as coisas e a tratar de uns últimos assuntos para podermos ir para casa. Estou cheio de saudades da minha mulher, da minha casa, da comida e mal posso esperar por ver o meu filho… se não fosse por ele, eu não teria sobrevivido a esta guerra horrível.

 

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