O Cravo que queria ser Salgueiro

5
(4)

Quando nasceu,  o Cravo pensava que era apenas uma flor.

          Uma flor sem importância. Como as outras. E não conhecia mais do que as flores que viviam com ele.

          Nasceu vermelho. Calhou.

          Podia ter sido rosa ou branco. Quem sabe até amarelo? Mas não. Nasceu vermelho. Vermelho e curioso. Desde que tinha nascido que queria saber se não havia outras flores ou outras não flores diferentes dele e das que viviam com ele. E se houvesse? Queria saber onde moravam, o que faziam, de que é que gostavam e de que falavam.

          Shiuuuuuuuuuuuuu!!!

          As outras flores disseram-lhe sempre para estar quieto e não fazer perguntas. A medo contaram-lhe que havia muito para conhecer: árvores e flores de todas as qualidades, feitios e cores. Sussurraram-lhe que cada árvore, cada flor, tinha o seu sítio certo para viver nesta terra. Não se podiam misturar. Flores a um lado, árvores a outro.

          O Cravo não se deu por vencido. Essa agora! Ficar quieto?! Ficar calado?!

          Numa madrugada de abril, em plena primavera fez a sua mochila, e enquanto as flores, suas vizinhas dormiam, ele, pé ante pé de raíz firme, lá foi caminhando sem destino.

Pelo caminho viu flores diferentes das que conhecia. Umas muito delicadas que viviam rente ao chão. Outras muito altas que rodavam ao sol. Viu flores frágeis e belas de espinhos pontiagudos e outras que pareciam bolas coloridas a espreitarem por entre o verde largo das folhas. Viu flores que pareciam copos e outras que se davam ares de campainhas. À sua passagem todas comentavam em burburinho quem seria aquela flor que se atrevia a sair do seu sítio.

          Ainda o sol não tinha acordado completamente do seu sono quando o Cravo avistou um grupo estranho. Não eram flores. Eram maiores. Entroncadas, robustas. Na maior parte eram verdes e castanhas.

          Aquele grupo estava numa azáfama, silenciosa. Caminhavam em fila indiana.

          Reparou que havia um que ia à frente a comandar. E decidiu saber o que se passava e para onde iam. Se calhar nem lhe iam responder. Afinal de contas só era uma flor sem importância. Mas não custava tentar.

          Aproximou-se a correr e meteu-se pelo meio do grupo. Eram grandes. Fortes.

          A medo lá perguntou a uma e a outra, quem eram e para onde iam. Apenas lhe responderam que eram árvores. Que iam lutar para que todos se libertassem das raízes que os prendiam ao mesmo sítio.

          O Cravo riu de felicidade. Estava no sítio certo. Era mesmo isso que queria. Libertar-se daquelas raízes que o prendiam ao mesmo sítio. Queria ser livre para ir para onde quisesse. Ser uma flor do Mundo.

          Quando perguntou para onde iam responderam-lhe para falar com o Capitão do Arvoredo. O Salgueiro.

Não sabia quem era o Salgueiro, nem onde estava. O Pinheiro-Bravo, um pouco carrancudo e de poucas falas, apontou para a frente da imensa fila.

          O Cravo desatou a correr até o alcançar.

          Ao ver o Cravo a seu lado, pequeno e afogueado, o Salgueiro esboçou um sorriso.

          – Isso é que foi correr – disse-lhe o Salgueiro.

          – Ouvi dizer que vão lutar para nos libertarmos destas raízes.

          – Das raízes não. Precisamos delas. Vamos lutar para que sejamos livres de escolher onde queremos fixar as nossas raízes – esclareceu-o o capitão daquele arvoredo.

          – E depois podemos ir para onde quisermos? Depois podemos escolher se queremos as nossas raízes num campo, ou numa montanha, ao pé do rio ou numa praia?

          – Serás livre de escolher, mas tens de ser responsável pela tua escolha.

         O Cravo juntou-se um pouco mais. Encheu o caule de ar, endireitou a corola e seguiu convencido que era outro salgueiro.

         Nessa manhã as árvores tomaram conta da praça grande e fizeram com que os donos daquela terra fugissem para bem longe.

         E a partir desse dia flores, musgos, ervas, árvores, fossem grandes ou pequenas, passaram a ser livres de escolher onde e como queriam viver.

         E o Cravo? O Cravo juntou-se ao arvoredo e viveu como um salgueiro.

Sandra Lima, Entrelinhas, Letras e Histórias

Gostaste desta publicação?

Deixa a tua votação! Ou se quiseres, comenta abaixo.

Média das votações 5 / 5. Vote count: 4

Ainda sem votos. Queres ser o primeiro?

Ai é?

Segue-nos nas Redes Sociais