O cartaz anunciava em letras gordas e azuis “Venham ver Tudo ao Contrário, hoje pelas 16h00”.
Foi difícil controlar a minha curiosidade e mal pude esperar. Há meses que esperava para o ver.Rodeei a tenda e como quem não quer a coisa esgueirei-me por ela adentro.
Tudo ao Contrário estava de certeza por ali. Talvez estivesse no camarim a preparar os seus truques e magias.
Para mim era o maior, o melhor, o mais extraordinário de todos! Não era como os outros que eu já tinha visto. Era bem diferente. Era diferente desde o dia em que tinha nascido. Desde esse momento que nada nele ou no que ele fazia era como devia ser.
Quando nasceu em vez de chorar, riu. Foi tão grande o espanto da mãe que ela decidiu chamar-lhe de “Contrário”. E assim ficou a ser conhecido.
E vê só como em tudo ele era mesmo Contrário. Quando foi altura de começar a gatinhar, arrastava-se de costas pelo chão e no momento em que devia andar, caminhava com as mãos e os pés para o ar. Melhor dizendo, não andava… ele “camãonhava”. Até quando começou a falar, ao contrário das outras crianças, em vez de dizer “mamã” ou “papá” dizia “ãmam”e “ápap”.
Ninguém o entendia. Apenas a mãe. Ele era o seu Tudo ao Contrário e por isso entendia-o bem.
Quando ia para a escola levava o casaco a abotoar atrás e a camisola vestia-a por baixo.
Ficava com uma perna em cada manga e nos pés levava umas luvas, porque as meias aqueciam-lhe as orelhas. Não lia da esquerda para a direita, nem de cima para baixo. Lia como tudo ao seu jeito. Ao jeito de Tudo ao Contrário.
Quando cresceu decidiu que havia de trabalhar, tal como os outros faziam, apesar de ser Tudo ao Contrário. Tentou ser carpinteiro, mas martelava com a madeira nos pregos. Depois quis ser pintor, mas as paredes ficavam todas manchadas porque em vez de usar pinceis, para ser mais rápido, ia tudo de vassourada. Pensou ser padeiro, mas à água juntava areia e quando quis ser trolha e construir uma casa para fazer cimento colocou a farinha molhada.
Certo dia e já desanimado sentou-se à entrada do circo. Assim que viu a trapezista num fio, desequilibrada, a Mulher Barbuda a pentear a sua barba, os palhaços Pobre e Rico numa cantoria bem animados ficou logo fascinado porque ali era tudo tão engraçado. Ao verem-no assim tão desalinhado, desajeitado, com tudo nele trocado, convidaram-no a entrar e pediram-lhe para lhes mostrar o que sabia fazer.
Ele encolheu os ombros e meio envergonhado lá respondeu:
– Rezid sov euq o ies oân ue!
Para os outros foi pior do que chinês. Só havia um modo de o perceber. Era dar-lhe o que fazer. Levaram-no até ao camarim e foi vê-lo a olhar espantado para tudo o que lá havia: espelhos, roupas, balões, cartolas, cordas, cartas, chicotes, argolas…
Pegou na cartola com cuidado e de dentro dela tirou um lagarto. Ficaram todos admirados!
Quando pegou nas cordas transformou-as num baralho de cartas e quando as abriu em leque do meio delas saiu uma lebre. Da gaiola das pombas fez um ramo de flores vermelhas e do meio dele tirou um papagaio.
Estava encontrada a sua habilidade.
E desde esse dia nunca mais parou. Eu estava maravilhado, pois tinha ali mesmo à minha frente, sentado em frente ao toucado, o grande mágico… Tudo ao Contrário.