Vamos falar da minha biblioteca? – Parte 1
Sei bem que pode parecer um abuso querer falar de uma biblioteca como se fosse a minha. Mas na realidade era, é, assim que a sinto. E tal como eu, todos os Vianenses da minha idade a identificam como sendo a sua. Mais a diante perceberão porquê! Talvez ainda nesta parte 1…
Então esta, é uma história, em várias partes, sobre um pedaço de mim que se cruza com um pedaço de muitos outros vianenses e com uma parte importante da história da minha cidade.
Lembro-me perfeitamente de com cinco ou seis anos ir a essa tal biblioteca. Não era uma biblioteca qualquer. Basta começar por dizer que a maior parte de nós, pequenos frequentadores assíduos, nos referíamos a ela por “Biblioteca do BC9”. Ficava no edifício mais extraordinário da cidade!
Era um edifício grande, com uma arquitetura peculiar para abrigar uma biblioteca que acabou por surgir rodeada de cultura. Aliás ela própria, a minha biblioteca, por estar no sítio em que estava era, também, o centro de muita agitação.
Mas vamos por partes!
Achávamos todos imensa graça a que a Biblioteca ficasse num local e fosse identificada por duas letras e um número.
Para nós, pequenos, era estranho, mas ajudava-nos imenso dizer que íamos à “Biblioteca do BC9” em vez de nos referirmos a ela, como noutras cidades, ao nome pomposo e muitas vezes longo e acompanhado de um título, de um qualquer senhor ilustre da cidade ou do país.
Assim, que duas letras e um número, para nós, pequenos leitores assíduos, estava mais do que perfeito.
Enquanto era uma das pequenas frequentadoras e ávidas leitoras nunca me preocupei em saber o que as duas letras e o número queriam dizer associados à Biblioteca. Naquela altura bastava-me saber que a minha biblioteca funcionava num antigo quartel mandado construir pela Rainha D. Maria I em 1790.
Já imaginam?
Sempre que entrava o portão principal que dava para uma enorme praça imaginava-me logo, no mínimo, uma Princesa que atravessava a praça onde os soldados do reino prestavam serviço. Até conseguia vê-los… uns a limparem armas, outros a tratarem dos cavalos, outros ainda em formatura… muita imaginação…
Anos mais tarde, já no início da minha adolescência percebi que as duas letras e o número nomeavam o quartel: Quartel do Batalhão de Caçadores 9 (BC9) e que antes de o ser foi o Quartel do Regimento de Infantaria 3 (RI3).
Este RI3 albergou as tropas que formaram a Brigada do Minho envolvida na Batalha de La Lys em 1918 e a quem foi reconhecido grande heroísmo. Mas esta seria outra história a contar…
O edifício, pela localização que tinha na cidade e pelo amplo espaço que o envolvia, desde a sua construção que era um local privilegiado para apresentações musicais e culturais. Hábito que vinha já do RI3 com apresentações da Banda de Música do Regimento.
Sempre foi um espaço militarizado, mas extremamente cultural.
Por esta altura da minha adolescência e com a tomada de conhecimento desta nossa parte da história vianense e nacional concluí que, fosse como fosse, a minha biblioteca teria sempre duas letras e um número.
Mas o BC9 foi extinto em outubro de 1976, dois anos e meio após o 25 de abril e então pelos diferentes espaços do edifício foram-se sediando grupos de teatro amador e a minha biblioteca.
Lembro-me claramente de “O Gruta”, “O Pataco” e “Os Farroupilhas”. O último era apenas dedicado a teatro de fantoches e marionetas. Quando me tornei adulta acabei por integrar este grupo, já com outra estrutura integrada no Centro Cultural do Alto Minho. Mas essa é também outra história a contar noutra altura.
E claro está sempre que os pequenos frequentadores assíduos da minha biblioteca sabiam, tal como eu, que havia ensaios ou um espetáculo aberto a todos… lá saíamos da minha…vá nossa biblioteca. Atravessávamos a praça interior do quartel do BC9 e sentávamo-nos num dos degraus da plateia de uma das três salas de ensaios e apresentações.
Pelo menos é assim que eu me lembro! E são das melhores memórias que tenho da minha infância: um quartel que tinha a minha biblioteca e grupos de teatro que faziam apresentações para todas as crianças da cidade.
Mas voltemos à minha, nossa, biblioteca do BC9.
Já naquele tempo era uma biblioteca dedicada à infância. Há quem lhes chame “biblioteca infantil”. Não tenho nada contra. Na verdade, adoro o termo “infantil”.
Das várias definições que lhe são dadas, para mim, a que mais jus lhe faz é: infantil- relativo à criança. Logo, tudo o que é do universo da criança é infantil.
Assim que a tal biblioteca da minha infância era uma biblioteca infantil. Mas era mais. Era muito mais do que isso.
Os outros ex-pequenos frequentadores assíduos da minha biblioteca infantil sabem bem do que falo!
Deixo isso para descobrirem na parte 2!
Afinal de contas temos ainda muito para falar da minha biblioteca…
Sandra Lima, Entrelinhas, letras e Histórias